quarta-feira, dezembro 06, 2006




Fiat Lux
à que brilha dentro
Fazia tempo que as coisas estavam assim, acontecendo à deriva, sem rumo certo, sem decisão e clareza. A cabeça em turbilhão. Parecia uma outra pessoa, daquelas pesadonas que amarram o passo da gente quando a gente tem pressa de ir.
Antes tinha essa coisa de acreditar na vida só por si, de se jogar no momento e ver que "o melhor lugar do mundo é aqui e agora", como o Gilberto Gil antes de entrar para a política (tradicional) cantava.
Agora, tinha tanta coisa meio triste dentro, que, se não tivesse sol, era melhor nem deixar o corpo muito tempo deitado, que ele podia não querer mais levantar. E a cabeça é que era o cinza do dia em forma de desencanto cerebral.
Mas tinha, sim, muita razão pra sorrir. No entanto, os sentimentos turvos andavam emergindo de tão longe pra serem filtrados - talvez!? - que acabava quase não rolando um riso solto no meio do caos e do cansaço pela limpeza pesada que dentro se dava.
Pensou que a vida só ganha sentido no sentido que o outro compartilha, porque ficar vivendo só pra si, em total isolamento, só tem significado se daí algo pro outro também brotar. O outro pra alguns pode ser Deus. Podem ser deuses, deusas, pessoas, bichos, plantas, outros de todos os tipos... senão pra quê?
Olhou a caneta e o papel, sentiu um pouco de preguiça pensando na rabisqueira que o computador evitava (mas o computador também tinha ido embora). A caneta. O papel. O zero. Total.
Zero gerando o infinito. A vontade ainda estava rala, mas tinha uma quase obrigação que movia a mão na caligrafia, procurando salvar pelo menos uns poucos pensamentos do abismo do esquecimento.
Se pudesse sair dançando enquanto escrevia, seria perfeito! O corpo ia despertando, assim, da letargia, com cada jorro-sentença, por mais tola que parecesse ou soasse. Ainda havia a fresta da palavra escrita pra iluminar o dia cinza da cabeça.
E escreveu, pensando: no princípio era o verbo.
E fez-se a luz.

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