Há ocasiões em que apenas sustentados pela energia da raiva podemos nos libertar de um jogo emocional doente, ou encarar uma ruptura. A raiva mobiliza, permite que levantemos do desmoronamento da tristeza, e sigamos em frente, para depois poder liberá-la também, sem endurecer no gelo da indiferença, reprimindo energia no lugar de ressoar com ela.
Só agora entendo verdadeiramente a manipulação do psicopata sedutor de que fala Lowen. É uma teia invisível, cheia de pequenos detalhes que aprisionam na ambiguidade. Quando a masoquista (complementar fundamental dessa relação) começa a afastar-se, ele vem e deixa uma insinuação pairando, como uma promessa, um beijo, uma palavra doce, uma florzinha, um mimo, e quando esta se mostra outra vez disponível, indiretamente, o sedutor vai minando, subestimando, pois tem que estar no controle, a relação não pode ser de iguais que se entregam, ele nunca se rende ao amor, e despreza quem se mostra vulnerável. Amar é como cair, soltar-se, e no âmago, isso o petrifica de medo.
A masoquista também reforça o jogo, como os ratinhos de Skinner, submetendo-se à dor na expectativa da recompensa que lhe alivia e dá um prazer momentâneo, parece amor de verdade por uns instantes, especialmente na relação sexual, mas pode ser qualquer outro aspecto da relação, ela também não se reconhece digna de reciprocidade, e no âmago despreza quem lhe dá valor, e se mostra vulnerável para entregar-se no amor.Ambos prisioneiros desse jogo intermitente de dor-prazer, não por escolha, mas porque esse mecanismo foi a forma de evitar uma enorme dor lá atrás, na infância, e tornou-se um padrão de comportamento, ativado em determinadas circunstâncias, e mesmo alternando os papéis em certos momentos.
Ok, entendo muito bem agora. Mas acho que vou precisar de uma dose extra de fluoxetina pra sair dessa, além de não ver, não ouvir, não sentir o cheiro, não entrar em contato de modo algum, como se trata um vício, enfim... e preciso de colaboração.
A minha raiva oscila... às vezes explode, quando considero o quanto fui usada, enganada, quanto me permiti sê-lo, e o quanto entrei no jogo de achar que a louca era eu, me autosabotando em meus verdadeiros sentimentos e minha intuição. Eu me enganei, querendo acreditar nas insinuantes mensagens duplas, que ele talvez encare como uma forma delicada de atenção, pois ele nunca finaliza, nem esclarece, ou assume nada com total honestidade, talvez em cartas, mas nunca no olho no olho. Faz parte de manter o controle, um modo de não permitir o distanciamento necessário. Nem a proximidade aterradora da sinceridade.
Tudo isso é carência. Carência de amor, medo da entrega.
Observe um casal dançando o tango, isso deve tornar mais claro o que digo.
Anabel
Imagem: Neli Neto