Friday, November 9, 2007
(publicado no Guia do Estadão)
Toda vez que vejo a tabuleta “Não sei voltar sozinho, meu lugar é na garagem”, no carrinho de supermercado do prédio, sinto um pendor para o vandalismo. Tenho vontade de agarrar aqueles arames fanfarrões e falar: “ah, não sabe? Quer dizer que é capaz de escrever um aviso em primeira pessoa, imprimi-lo numa placa, mas esticar a rodinha até o botão do elevador e apertá-lo, que é bom, nada? Agora vai voltar sozinho, sim senhor!”.
Suponho que eu devesse achar graça em estabelecer contatos imediatos de terceiro grau com um carrinho de supermercado. E, sentindo-me satisfeito por morar num edifício onde tal objeto é tão gentil e bem-humorado, deveria olhá-lo com ternura e dizer “ok, amigão, vamos lá, eu te devolverei à garagem, seu doce lar, onde reencontrará seus irmãos metálicos e poderá fazer as mais loucas traquinagens!”. Mickey Mouse aparecer com vassouras e baldes dançantes ou carros falarem abrindo e fechando os capôs seria uma consequência lógica, e eu sorriria mais uma vez, pois a vida, afinal de contas, havia se tornado um desenho animado.
É um curioso autismo lúdico: não olhamos nos olhos dos vizinhos, mas conversamos com carrinhos de supermercado. Não é de se admirar que as coisas estejam como estão. (E os carrinhos, pelo menos aqui no meu prédio, continuem abandonados no elevador. Tadinhos).
Toda vez que vejo a tabuleta “Não sei voltar sozinho, meu lugar é na garagem”, no carrinho de supermercado do prédio, sinto um pendor para o vandalismo. Tenho vontade de agarrar aqueles arames fanfarrões e falar: “ah, não sabe? Quer dizer que é capaz de escrever um aviso em primeira pessoa, imprimi-lo numa placa, mas esticar a rodinha até o botão do elevador e apertá-lo, que é bom, nada? Agora vai voltar sozinho, sim senhor!”.
Suponho que eu devesse achar graça em estabelecer contatos imediatos de terceiro grau com um carrinho de supermercado. E, sentindo-me satisfeito por morar num edifício onde tal objeto é tão gentil e bem-humorado, deveria olhá-lo com ternura e dizer “ok, amigão, vamos lá, eu te devolverei à garagem, seu doce lar, onde reencontrará seus irmãos metálicos e poderá fazer as mais loucas traquinagens!”. Mickey Mouse aparecer com vassouras e baldes dançantes ou carros falarem abrindo e fechando os capôs seria uma consequência lógica, e eu sorriria mais uma vez, pois a vida, afinal de contas, havia se tornado um desenho animado.
Está certo, o lugar do carrinho é na garagem, como o céu é do condor e a Rua Javari é do Juventus. Longe de mim querer condená-lo a noites frias em halls escuros, ou espremê-lo ao lado de vizinhos resmunguentos, no canto de um elevador. O que penso, triste, diante da tabuleta, é: onde foi que nós erramos? Apesar de todas as provas em contrário, eu acredito no ser humano. Talvez algum Nobel gagá ainda explique meu otimismo como fruto do baixo QI do brasileiro, mas enquanto isso não acontece, continuo achando que deveríamos levar o carrinho para baixo – e diminuir as emissões de carbono, votar nas eleições ou bater panelas na rua – mais movidos por Thomas More e Rousseau do que por Disney e Pixar. A tabuleta e seu humor infanto-publicitário, no entanto, apenas confirmam que nossa visão de cidadania não é a de Rousseau: obedecer as leis que nós mesmos ajudamos a criar, mas a de Scooby Doo: se fizermos tudo direitinho, ganhamos um biscoito no final.
É um curioso autismo lúdico: não olhamos nos olhos dos vizinhos, mas conversamos com carrinhos de supermercado. Não é de se admirar que as coisas estejam como estão. (E os carrinhos, pelo menos aqui no meu prédio, continuem abandonados no elevador. Tadinhos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.