quinta-feira, julho 30, 2009

Velhas inquietaçãoes a respeito da falta que os ritos de passagem e o ritual fazem, me acometem com força ultimamente.
O "vazio" que tanto se busca preencher com sexo, comida, drogas, e o comportamento consumista na esfera afetiva em geral, relaciona-se de algum modo com a falta da celebração dos eventos que assinalam as transformações da vida, dando-lhes o significado de amadurecimento, de uma marca, da corporificação do próprio evento. Assim também as sensações de pertencimento são um acontecimento raro, muitas vezes mais comum em guetos e tribos do que na própria família. A falta de um sentido de sagrado, de transcendência da rotina, da descartabilidade do dia a dia, como um calendário cujas folhas o vento vai soprando pra longe, nos deixa empobrecidos em nossa humanidade, no significado de ser humano, e participar do mistério da vida, do universo.
Como se não reverberássemos com frequencias mais amplas do que o mero existir.
É preciso reencontrar o espaço/tempo da celebração em nossas vidas. Celebrar o encontro, o adeus, o início, o fim, o nascimento, a puberdade, a maturidade, o prazer de um momento, a morte, o amor, o perdão, a gratidão, a vida, cada dia, a ventura de viver. Rituais dilatam o tempo.
Dilatam o tempo no abraço, no olhar, no contato, num canto, numa dança de comunhão.

terça-feira, julho 28, 2009

Gosto das pessoas que olham nos olhos, e que realmente ouvem o que tenho a dizer sem preconeitos nem arrogâncias acadêmicas. Gosto de fluir junto num movimento, numa conversa, num silêncio profundo, numa divagação sem meta, num planejamento, num beijo, num debate, num gesto ou toque que se compartilha, não importando quem conduz a cada momento, porque há entrega, troca e reciprocidade. Fruir. Gosto de gostar, degustar, mesmo o já gasto de novidades, o que pede reinventação do sentir. Gosto do Amor. Gosto da palavra amor. Amor em Ágape, Eros, Afrodite, Demeter. Acho amar muito moderno e atrevido. Gosto de amar assim, pra lá dos julgamentos.
Anabel

sexta-feira, julho 24, 2009

eu falho

Não sei qual o grau de cumplicidade que cada pessoa pode alcançar com um amigo, mas um bom indicador, para mim, é poder contar "aquela cagada", "aquela mancada" que eu dei, reconhecendo e assumindo o erro, e sem medo do julgamento, sabendo que a consciência do erro, a reflexão, e o desabafo já fazem parte do aprendizado pra não repetir o mesmo. É claro que o amigo também reconhece o erro, sabe que não está certo, mas é capaz de compreendê-lo dentro do contexto, acompanhar-me nesse percurso subjetivo de assimilação, apropriação, remissão, enfim... percebe o processo junto, compartilha, e confia no meu entendimento, em vez de me colocar no paredão (que a própria autocrítica já se encarregou de colocar). O que não quer dizer que qualquer psicopatia vá ser acolhida do mesmo modo só pra provar que se é amigo. Há coisas que são crimes inafiançáveis, e que precisam de punição, ou doenças, patologias que necessitam tratamento, e enfim, há cagadas, erros menos graves, e sempre os contextos a considerar.


Dia desses fiz um erro múltiplo. Havia dado para outra criança um sapato da minha filha, já apertado há algum tempo, e quando ela não o encontrou, dias depois, sentiu-se traída por não ter sido consultada para tal doação. Aí é que fiquei em dúvida, pois eu achava que tinha lhe perguntado, porém em um momento em que eu estava muito estressada, fraca, frágil, desorientada comigo mesma, por questões outras, achei que, mesmo morrendo de vergonha, falar com a mãe da garota, expondo-lhe a situação, caso a menina ainda não o estivesse usando, e pudesse emprestá-lo por mais alguns dias, seria compreensível. E foi assim que a mãe da menina sorrindo, foi até o fundo, me trouxe o sapato, e disse que ainda não estava servindo, e que compreendia meu drama. Ufa! Expliquei para minha filha que aquilo que eu estava fazendo,- pedir de volta algo que já era dado -, era falta de educação, completamente errado e feio, e que só o havia feito porque havia dado algo que não era meu, mas dela, sem perguntar. Imagina a montanha de erros! Prato cheio pros juizes das "mães permissivas e inseguras de hoje em dia".


Pois é... Outro dia achei que falava com um amigo, e contei esse meu deslize, talvez pra elaborá-lo melhor. Meu deus! Me condenou à fogueira! Queria até que eu jurasse que nunca mais faria algo assim, e até disse que não poderia mesmo confiar em mim, diante de tal episódio. Episódio que é uma exceção, e tem um contexto, e não um comportamento ou uma atitude que escolho e tomo rotineiramente. Mas qual! Mal se despediu com uns tapinhas nas costas, e foi-se como um completo desconhecido.


E eu fiquei aqui com meus botões me perguntando, por que fui contar uma vulnerabilidade dessas pra uma pessoa tão sem abertura pra se colocar no meu lugar? Parecia que eu havia roubado! E fico me perguntando se todos esses conselheiros sobre educação infantil e outros comportamentos adequados, são capazes dessa alteridade, ou se eles mesmos nunca erram, ou se erram, se perdoam, e aproveitam o aprendizado, que é o que realmente importa, mais do que ficar se martirizando pelas incompetências que fazem parte do papel de mãe e pai. Porque aconselhar sobre o que é certo ou o que não se deve fazer, eu também posso, sou até boa nisso, mas numa situação que nos pegue desprevenidos, ou mesmo num aprendizado prático para o qual não tivemos treinamento suficiente, acho que é natural falhar, faz parte do processo mesmo de tornar-se melhor e errar menos!


Eu poderia contar um monte de situações em que me sai bem com minha filha, em que a fiz compreender limites, adptar-se a situações aprendendo a lidar com frustrações, em que a incentivei a ser generosa, verdadeira, a reconhecer erros, a ser educada, em que pedi desculpas, para que ela perceba que todos erramos, e podemos nos arrepender e melhorar, enfim, tudo o que os bons conselheiros publicam e falam. Mas escolho compartilhar o erro, porque, amigos, fingir que somos perfeitos, ou sair dizendo "não te devo nada", não contribui uma vírgula para o resgate da nossa humanidade. Num mundo de aparências, glamour e sucesso, em que deletamos spams e desconectamos de um papo, sem mais, é muito simples mudar nosso perfil, fazer um fake, ou coisa assim. Mas a vida do corpo, que inclui a virtual, mas que jamais se calará mesmo sob quilos de botox, silicone, eletrodos, plásticas e retoques variados, esta vida guarda a memória de todos os nossos processos, aprendidos ou reprimidos, assumidos ou negados, e esta não é descartável, e não se sustenta na gambiarra.


Resgatar nossa humanidade, passa por errar, reconhecer-nos vulneráveis. Saber usar o poder dos erros é fundamental. E é muito reconfortante saber que há alguém, além de um terapeuta, que nos ouve e se coloca em nosso lugar, se comove conosco, e nos olha nos olhos com a cumplicidade de quem diz "que cagada, amigo", mas confia na nossa capacidade de discernimento e nos sabe maiores que o erro, e nos abraça sem ter nada para dizer num momento de tristeza e dor. Conversar com um amigo é como voltar para casa.


Espero que meus amigos possam sentir-se livres e vulneráveis comigo, para refletir sobre acertos e erros, e para falar bobagens, para que saiamos nutridos do nosso encontro, e não com a sensação de sermos apenas incompetentes, ignorantes e incorrigíveis. E voltemos com nossos corpos vibrantes do encontro, confidentes e confiantes na vida. Pulsando com ela, com um sentimento de pertencer.


Anabel

PARES em Agosto




Queridos amigos,

Em agosto estaremos em temporada de "Pares", o mais pop dos nossos trabalhos, no Teatro União Cultural.
Venham e divulguem!


Beijos,

Cia. Danças


quinta-feira, julho 23, 2009

Viver despenteada


Não sei quem é a autora, e imagino que deva circular muito na internet e estar em muitos blogs, mas adorei receber esta mensagem da minha irmã, e quero compartilhar. Acho que todas as minhas amigas descabeladas vão se identificar também.
Beijos,
Anabel

Hoje aprendi que é preciso deixar que a vida te despenteie,
por isso decidi aproveitar a vida com mais intensidade...
O mundo é louco, definitivamente louco...
O que é gostoso, engorda. O que é lindo, custa caro.
O sol que ilumina o teu rosto enruga.
E o que é realmente bom dessa vida, despenteia...
- Fazer amor, despenteia.
- Rir às gargalhadas, despenteia.
- Viajar, voar, correr, entrar no mar, despenteia.
- Tirar a roupa, despenteia.
- Beijar à pessoa amada, despenteia.
- Brincar, despenteia.
- Cantar até ficar sem ar, despenteia.
- Dançar até duvidar se foi boa idéia colocar aqueles saltos gigantes essa noite, deixa seu cabelo irreconhecível...
Então, como sempre, cada vez que nos vejamos
eu vou estar com o cabelo bagunçado...
mas pode ter certeza que estarei passando pelo momento mais feliz da minha vida.
É a lei da vida: sempre vai estar mais despenteada a mulher que decide ir no primeiro carrinho da montanha russa, que aquela que decide não subir.

Pode ser que me sinta tentada a ser uma mulher impecável,
toda arrumada por dentro e por fora.
O aviso de páginas amarelas deste mundo exige boa presença:
Arrume o cabelo, coloque, tire, compre, corra, emagreça,
coma coisas saudáveis, caminhe direito, fique séria...
e talvez deveria seguir as instruções, mas
quando vão me dar a ordem de ser feliz?
Por acaso não se dão conta que para ficar bonita
eu tenho que me sentir bonita...
A pessoa mais bonita que posso ser!

O único, o que realmente importa é que ao me olhar no espelho, veja a mulher que devo ser.
Por isso, minha recomendação a todas as mulheres:

Entregue-se, Coma coisas gostosas, Beije, Abrace,
dance, apaixone-se, relaxe, Viaje, pule, durma tarde, acorde cedo, Corra, Voe, Cante, arrume-se para ficar linda, arrume-se para ficar confortável!
Admire a paisagem, aproveite,
e acima de tudo, deixa a vida te despentear!

sexta-feira, julho 17, 2009

Um artigo muito esclarecedor da Revista Personare sobre astrologia, saindo dos clichês e preconceitos ligados unicamente ao signo solar. Vale a pena dar uma olhada.
Bjo,
Anabel

http://www.personare.com.br/revista/identidade/materia/192/entao-qual-e-o-seu-signo?

sexta-feira, julho 10, 2009

Da janela

Meu olho vê a janela para o Largo do Paisandu. Vejo os passantes e habitantes do largo em torno da igreja: as pombas, o gari, os tiozinhos conversando, descansando sentados na mureta do canteiro, os ônibus chegando e partindo. Polícia montada ao fundo. Paisagem. Vou em direção a ela.
Desço de elevador. Tem espelho, olho minha imagem, reflexo, olho cada pessoa que entra, trabalhadores do edifício: Galeria Olido. Desço.
Chego à porta da galeria, vejo aquele roqueiro barbudo de preto que sempre está aqui. Outro coordenador de equipe - me identifico com um sorriso. Espero o farol para cruzar na faixa, observo os grupos da porta da Galeria do Rock. Quantas tribos diferentes tem suas "sedes" em tão poucos metros! Cruzo.
Cheguei à paisagem da janela. Os tiozinhos continuam conversando, sentados na mureta do canteiro do jardim, um grupinho mais de perfil, e outro bem centralizado e de frente para a Av. S. João.
A "Mãe Preta" tá com flores na saia e vela amarela nos pés. Devoção. Será ela uma Oxum?
Tem muitos moradores daqui que me olham com curiosidade. Enquanto observo, interfiro na paisagem e no contexto habitual. Penso que é porque não passo, não estou passando, e quem não é daqui só passa. Vou anotando. O pessoal que habita mesmo no largo nem liga, vai se ajeitando para o fim de tarde, pendurando roupa, estendendo panos, o cachorro também se ajeita junto à mureta.
Turistas da África passeando. Imigrantes? Foto.
Achei o gari. Tava atrás da Igreja conversando com outro passante. Sorrindo. Contorno a Igreja. Entrei. N.S.do Rosário dos Homens Pretos. Santos Negros: Sto. Elisbão, Sta. Efigênia, São Benedito, Sto. Antônio do Cathegeró, mas tem tb N.S. das Dores, Sta. Edwiges, e S. Roque, que não são negros e muitos outros num dos altares laterais. Desde que cheguei há 3 fiéis rezando, e vários já entraram, pediram benção e foram. A religião católica na herança cultural brasileira tem tanto gestual bonito. Também reverencio e saio.
Cheiro de xixi, churrasco grego, jaula de zoo. Começa a juntar o grupo que joga cartas todo dia. Lugar de passagem onde há uma família residente.
Vou descendo a rua até a Igreja Marthin Luther, fechada. Aqui na Av. Rio Branco se transita, não se passa. Cabeleireiro, bar, lanchonete, sempre tem 2 ou 3 pessoas conversando, muitos velhinhos e velhinhas (devo pensá-los idosos?), e gente dormindo sentada em diversos estabelecimentos.
Vou olhando a fachada da Olido, desde a igreja também olhei, mas não registrei. Nem parece que podem haver olhos para cá.
N.Sra. do Rosário dos Homens Pretos - toda a história de desenvolvimento excludente que se deu desde que trouxeram navios lotados de africanos escravos está aqui refletida nesta praça, neste largo, nestas pessoas. A Martin Luther King tá fechada sempre que passo. "Eu tenho um sonho"... igualdade... fraternidade... Uma tatuagem-piercing humana (um humano tatuagem) passa. Tribos, rituais de encontro, identidades coletivas..
Como se relacionam os 3 centros deste pequeno trecho da Av. São João - Lgo. Paisandu, Galeria do Rock, Galeria Olido? Como coração, fígado e cérebro, quais os orgãos centrais deste corpo-centro da cidade?
Será quie já é hora de voltar para a reunião?
Não tiro conclusões, para onde me guiam essas observações, só depois de fermentar. A carga emocional pega. Entro na Olido. Um rapaz com ar ingênuo está procurando alguém, esperando. Anda de um lado para o outro sob a moldura do pórtico da galeria. Consulta o celular. Um casal me pergunta se sei onde fica uma joalheria, e sugiro que procurem na galeria oa lado. Eles não são daqui.
Quem é daqui? Os moradores de rua (para onde será que nos leva a história de cada um?). Mas aqui é de todo mundo que passa por aqui.
Volto ao elevador. A moça da catraca de entrada já não me reconhece. Subo com um artista que já vi, mas não sei quem é. Chego atrasada. Perdi a noção do tempo do relógio.

Imagens: "Mãe Preta", de Júlio Guerra. Foto colhida no site http://www.aguaforte.com/osurbanitas7/BastosSalles.html

sexta-feira, julho 03, 2009

Obrigada, adeus, ainda

Em menos de uma semana Pina e Michael deixaram a dança deste planeta. Nos deixaram comovidos com suas partidas súbitas, mas transformados por suas atitudes, seus gestos, seus passos, de modos tão distintos, mas tão emblemáticos da contemporaneidade. Ele em busca da Terra do Nunca, megastar perdido em si mesmo, encarnou o POP como ninguém, e consolidou a música multimidiática, revolucionou o videoclipe e a indústria cultural de massa, que cria novos ídolos a serem imitados por curtas temporadas, tentando um dia ser iguais a ele, o astro que nunca traz nada medíocre, sempre no topo - e só. Ela, consolidou a dança-teatro, embrenhada no sentido do gesto cotidiano, do movimento essencial que desnuda o drama de cada pessoa e as relações humanas num mundo fragmentário, repleto de sutilezas, belezas, crueldades, ternuras, solidões, contradições.
Perdemos duas referências fundamentais da arte contemporânea, dois artistas de cujas criações ainda não terminamos de conhecer a reverberação. Ainda temos muito que aprender com eles, ainda que seus corpos estejam dançando em outras dimensões. Nos deixam, mas nos deixam muito.

Querido Michael, Querida Pina, nossa mais profunda gratidão por suas generosas dádivas.
Obrigada, obrigada, obrigada.

Muito agradecida,
Anabel