quarta-feira, abril 09, 2008

O peso de um desamparo que não era meu saiu. Foi numa constelação familiar:
Eu, prostrada em profunda gratidão, era minha mãe reverenciando minha avó, a Bugra, que morreu quando minha mãe tinha seis anos de idade, num dia 10 de abril. Como uma menina, compreendi que cada pessoa tem seu tempo, e deixar morrer é tão importante quanto viver. E a vida continuou.
Então tive o vislumbre de uma sucessão infinita de gerações de mulheres atrás de minha avó, cantando, cuidando, preparando o alimento, ao lado de fogueiras, sentadas no chão, na terra. Antes de minha avó todas as minhas avós, todas as minhas mães de mães.
Depois reverenciei minha mãe, e contei à minha avó que dera o nome de Vozes Bugras ao grupo (que foi uma idéia compartilhada com Nun e Luiz, descendentes como eu) em homenagem a ela, que carregava esse apelido. Ela sorriu com lágrimas nos olhos, e todas se ergueram, pousando a mão nas costas de sua descendente. Cada uma dando sua bênção, desde a mais remota ancestral até mim, e eu à minha filha.

Sou muito grata por esta vida que delas provém, e me orgulha muito herdar, a cada dia que aprendo a cuidar. Agora compreendo melhor minha mãe e seu sentimento de desamparo. Agora compreendo melhor a mim mesma, e as dimensões que ser Eu mesma abrange. Compreendo melhor a dádiva da intuição, que talvez minha mãe não tenha podido reconhecer por conta das circunstâncias, como bênção de mulher para mulher. A bênção de confiar em nossa voz interior, e apreender num instante o que levaria muito tempo para explicar racionalmente.

Anabel
Foto "Índia Bororo, Mato Grosso" de Heinz Foerthmann, 1943. (www.museudoindio.org.br)

2 comentários:

  1. Oi flor!!Nossa Bel que momento maravilhoso heim...constelação familiar!!! Não conhecia esse termo, mas como estive na SOBAB na quinta-feira, li um planfleto da Sandra, onde dizia que ela era facilitadora de constelação familiar.Na hora não entendi e fiquei curiosa.Mas agora lendo seu texto consegui compreender. Como deve ser bom, poder nos ver, nos recolher e nos acolher através de nossa ancestralidade!!!! Fico imaginando a sensação..deve ter sido muito bom pra você né!!! Que lindo!!!!! Beijão, Bel.

    Katia

    ResponderExcluir
  2. Lindo, profundo. Até agora essa visão tá reverberando em mim, Ká! Parece que lembrei um pouco mais de quem eu realmente sou. A gente esquece um pouco, ou nem pensa, essa importância da ancestralidade, na busca do "quem sou eu" de cada dia, né, flor? Tem muita luz e muita sombra que a gente traz no sangue tb. Mas no fim a gente se escolhe a cada dia mesmo! Né, bugrona?!
    Bjão

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.