domingo, março 30, 2008

Uma última palavra

Foto de Alessandra de Souza, do espetáculo "Cara-Pálida", de Umberto da Silva, no Teatro da Dança, fev/2008

Eu já conhecia e dançava com Maria Mommensohn. A Maria já me apresentara Laban, Maria Duschenes, e me abrira os olhos pra dançar a escuridão. Dançar como um candeeiro nos subsolos e marginais, com meus companheiros de Cristal e, mais tarde, Paris 68, Claudinei Roberto e Sueli Andrade. Anos 80.
Vi Denilto Gomes dançar Serra dos Órgãos, com ossos de animais, cordas, vestido de noiva, estourando sem parar aqueles balões todos, com os olhos borrados de rímel, uma dor de quem busca o que nunca... o que sempre... o que antes.
Quando vi "Tristão e Isolda" no CCSP, as cadeiras do público formavam um círculo no palco. Achei interessante, o que virá? Ana Mondini e Umberto da Silva corriam, beijavam-se, e moviam-se entre nós, comovendo-nos até as lágrimas com a trágica história de amor. Sensações corporais, os olhares, o tônus, os toques, nada óbvio e descritivo sobre a estória.
Dança teatro. Pensei: preciso ver mais coisas desses caras!
No TBD encontrei Ana dançando filosofia deixando seu rastro na areia, Raul Rachou falando de Epicuro a Aristóteles e dança contemporânea, e Umberto dando um workshop do processo de criação de Pina Bausch. Quantas possibilidades!
No workshop, improvisações com animais, atitudes, e escolhas de partes do corpo, desembocavam em frases de movimento muito intensas e pessoais.
Também foi por essa época que conheci o Stênio Mendes numa oficina de Percussão Vocal, lá na 3 Rios. E descobri outras possibilidades da música e do corpo. Ressonâncias, harmônicos.
Maria Fux dançando raizes, pontos, linhas, perguntas, o silêncio.
E um dia fui, desavisada, trabalhar na Oficina, substituindo Maria, e me deparei com Penha de Souza e as espirais do corpo, do universo, contrações e releases vindos de Martha Graham.
Início dos anos 90.
Até hoje essas referências são muito vivas em minha arte. Muitas influências vieram depois, em especial Cláudia de Souza, Takao Kuzuno, Zvi Gotheiner. Mas vem de lá o dançar com as vísceras sem ser enforcada por elas, movimentos peristálticos da alma, como talvez diria o Claudinei.

Quinta-feira passada morreu Umberto. Coração parou.
Lembrei desses encontros às vezes de tão curta duração, que nos sinalizam novas perspectivas pro resto da vida. Outros de longa duração, que mudam nosso DNA, e parecem sumir sem deixar rastros.
Do Umberto, alguns momentos me vieram à memória. Em encontros casuais, em filas de teatro, ele saudando Alex e eu pelo apelido que nos deu - casal 20 - sempre caloroso. Morando temporariamente, quando chegou da Alemanha, no apto que a Maria alugara como estúdio e a conversa existencialista que tivemos naquela manhã...
Recentemente, como Coordenador de Dança na SMC, o reencontrei na entrevista do Projeto Dança Vocacional, e na primeira reunião do núcleo de que participo. Nessa reunião eu lhe falei do quanto foi importante conhecê-lo, o quanto aquele momento reverbera até hoje em meu fazer-pensar-sentir artístico, "até hoje uso aquelas propostas que aprendi com você!" Depois comentava com uma amiga íntima, como é gostoso encontrar as pessoas que nos dão referências fundamentais, e poder demonstrar gratidão na maior simplicidade e cara de pau. E agora penso: que urgente.
Minha gratidão por toda a eternidade, a cada um de vocês.
Grata, Umberto, mais uma vez. E a Yolanda Verdier, que como você mesmo lembrou, foi uma mulher muito engajada, e mais do que balé, propagava atitude.
Grata, grata, grata.

Anabel

Foto de Gal Oppido: Serra Dos Órgãos, 1990 - Coreografia/Interpretação:Denilto Gomes (pb)
Fotos de João Caldas:
Serra dos Órgãos IV, 1992 - Coreografia/Interpretação:Denilto Gomes (colorida)
Stress Sob as Estrelas, 1992 - Coreografia/Interpretação:Umberto da Silva, Ana Mondini

Um comentário:

  1. saudades do trabalho de denilto... saudades dele...
    adorei ver estas fotos aqui, de serra dos orgaos.
    eu fiz uma pequena postagem sobre ele, ontem.

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