quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Infusão


Ainda estou elaborando a ebulição do último encontro... os olhares, os toques, os cheiros, a respiração, as palavras, os sons, os movimentos, os sorrisos, os risos, os abraços, as lágrimas, os medos, a raiva, a tristeza, o tesão, o carinho, a cumplicidade, e o estranhamento frente àquilo que tem "sempre estado oculto, quando teria sido o óbvio".
Não estou conseguindo ser lírica com esse monte de cadáveres dentro de mim, nos quais ainda tropeço. Bem, posso deixar de falar em cadáveres, e me referir a essas cascas vazias como peles de serpentes...
Sueño con serpientes...
Um lado sorri e o outro ainda espera a paulada. E tem um medo forte plantado lá no meio dos dois. Dois lados cheios de gentes multifacetadas. Um muro de Berlim pra demolir dentro de mim. O hemisfério ocidental dizendo "vai ser feliz, tonta!", o oriental replicando "cuidado, vai se machucar...", e o corpo jogando capoeira com essa dicotomia. "Vou dizer a meu sinhô que a manteiga derramou"!

Ainda bem que tem Lenine!
"Se na cabeça do homem te um porão, onde mora o instinto e a repressão, me diz aí, o que é que tem no sótão? O que é que tem no sótão?"
Imagem: "A encantadora de serpentes" de Henri Rousseau

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Alta tensão

eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.

Bruna Lombardi, in "O Perigo do Dragão"
Imagem: Egon Schiele, "Kneeling girl propped on her elbows" , 1917

segunda-feira, fevereiro 12, 2007


A mente ou o corpo?


Qual dos dois está mais quente mais freqüentemente?
Quem fala mais alto?
Quem é mais obediente?
Qual dos dois é mais exigente?
O corpo ou a mente?
Qual dos dois é mais carente?
Qual dos dois é mais coerente?
Quem afirma? Quem desmente?
Quem é culpado? Quem é inocente?
Afinal de contas, quem faz essa bagunça na vida da gente?


Luiz Valentim (meu irmão, in memorian)
SP, 1993

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

minha flor surgiu num ápice seguido de um desencontro cheio de desencantos
foi brotando em meio à árida paisagem que eu percorria
trazendo um sopro mais fresco, umas cores pastéis

minha flor ficou com medo de que eu a deixasse sem nem bem cultivá-la
mas foi se adaptando à rotina caótica e espalhando nela seu perfume
transformando o significado de compromisso em festa

minha flor me ensina que só eu posso ser eu mesma e que é preciso sê-lo
para alimentá-la, cuidá-la, amá-la, dar suporte pra seu caule crescer forte
maravilhando-me com suas pétalas, enquanto vento, borboletas e abelhas levam seu pólen

minha flor dá uma canseira, cresce rápido, tem que trocar de vaso toda hora

descobrir quais as necessidades subjetivas e subjacentes de cada momento
mostrando que sacrifício é menos dolorido que sagrado, mais ofício do que fardo


minha flor me desafia a superar meu preconceito contra limites
exige que eu os deixe claros, e não titubeie se as palavras não explicarem o suficiente
definindo atitudes necessárias para não embaralhar nossos papéis

minha flor me amplia os horizontes sem cair em megalomania
tomo coragem para traçar rotas, arriscar-me em novos planos, realizar sonhos
lembrando que só se vive um dia de cada vez

à minha filha, meu amor
Sugestões do dia

"A mulher sexualmente livre; a de verdade"
artigo de Flávio Gikovate, médico psicoterapeuta

http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=5989&onde=2

"A castanha dos homens"
artigo de Manuel Luciano da Silva, médico

http://www.apol.net/dightonrock/castanha_homens.htm

terça-feira, fevereiro 06, 2007

ninguém é de ninguem, eu sei
vc não é meu
eu não sou sua
mas como é bom ouvir da sua boca
"boba, eu só quero vc!"

faço jus ao elogio
e com a inocência que ainda guardo
solto a âncora em alto mar
e confio
Anabel
Imagem: Gustav Klimt, "O Beijo"

sexta-feira, fevereiro 02, 2007


no meu canto eu canto e choro
no meu canto me desengano e me iludo
no meu canto vulnerável e visceral
solto os cabelos, mostro os dentes
invento interlocutores e público
no meu canto não sei quem sou
mas posso ser quem quiser
no meu canto reverberam os harmônicos do big bang
daquilo que fomos, e do que queremos ser
no meu canto o sol bate à tarde
no meu canto ainda sou aquela menina
que não vê nada demais em dormir
de corpo colado com meninos e meninas
no meu canto me corrói uma saudade
me envenena uma esperança
me agita uma dúvida
no meu canto me realimento de mim
sorrio revendo cenas da vida
suspiro acalentando minha utopia
no meu canto não há neura de ineditismo
e sempre surge algo surpreendente
no meu canto tem muito silêncio




não é segredo


não é segredo que tenho um amor
um amor que não carece cárcere
e que quase de amar se basta
eu e meu amor, a gente se fala por computador
bits bytes
0 e 1
nunca 2, que isso a maquina não entende
meu amor mora longe
tecladas notívagas enchem nossas noites
de uma música feita cá e lá sem sol nem fá
se as vezes faz frio (como hoje) chega a dar dó
de mim recolhida nesse cobertor

mas ele mora no Rio,
vai saber se lá tá calor



Luiza Viegas